segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O raro prazer do ócio

Sábado.


Desta vez levantei em capítulos. Abri lentamente os olhos, ora um, ora outro, deixando a claridade penetrar aos poucos. Me virei de um lado, espreguicei, virei do outro lado. E pronto, foi só. Num ritmo desenfreado, acordei, tomei banho e escovei os dentes, me troquei enquanto passava o café na cafeteira, cuidei da casa enquanto checava meus e-mails, conversei pelo msn enquanto pesquisava para uma nova matéria, na pesquisa abri várias páginas ao mesmo tempo, liguei no jornal enquanto lia um livro, organizei minhas roupas enquanto assistia à um filme.

De repente me dei conta que não consigo mais fazer apenas uma coisa. Quero fazer tudo, quero fazer mais e em cada vez menos tempo. Esta é a síndrome do profissional moderno, e o pior, além do stress conseqüente, não há o mergulho. Vivemos na superficialidade das coisas imediatas. Da página virada que se torna ultrapassada antes mesmo de completar o percurso. Mesmo com as novas leituras da vida. Com a necessidade da urgência, já não há possibilidade para o ócio. E para "ganhar mais tempo" matamos assim metade da nossa existência.

Raquel Duarte

sábado, 6 de setembro de 2008

Entretanto

Quase chove.
Sinto o perfume prévio da chuva. O deleite do vento, que atrevido, não exita em tocar a pele. Observo o arrepio de um corpo em chamas. Que apesar dos medos e mistérios tantos, sobrevive.

Quase chove.
Ainda assim é forte nossa última conversa. O sussurros trocados e frases incertas. A incógnita que persiste, que tortura, que maltrata feito o mar em fúria.

Quase chove.
E recolhi todas as coisas para ir embora. Para finalmente fechar os olhos e não imaginar voce. Para então, livre, percorrer novos pensamentos do mundo.

Quase chove.
Posso pressenti-la, mas ela não chega. Feito espírito, sua ausência não é exata. Nem pura. Nem inteira como eu e você...alguns dias.

Quase chove.
Mas não há sensação de completude. Nem alarme. Nem fuga. Mas prendo em mim os milhares de gritos que soltaria se, por um minuto, entendesse você em mim. Se eu te olhasse... Quem sabe desmistificaria sua existência.

Acredite.
Desta vez, não falta muito para a chuva cair e um novo tempo começar, lavando a alma e tudo que ela somou um dia. Mesmo que assim, reste apenas a embriaguez de sua ausência... desejo a chuva.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Teu som

Te ouvir me deixa insone. Sensação de delírio, overdose de querer-te e ainda mais, como se isso fosse humanamente possível. Já transbordastes todos os limites de desejos. Já percorrestes todos os caminhos existentes. Todos aqueles que são possíveis sem tua presença. Que chegam, mas não ficam. Aqueles caminhos que não interferem no cotidiano, mas refletem o desmitificar da alma.
Já não sei se quero te ver. Não sei se quero te falar. Quem de nós precisa ouvir palavras? Não são estes sons que somos um pro outro. Somos vertigens, libido e essa coisa quase irônica de não sermos nada.
Ainda assim prefiro não deixar-te. Mesmo que nunca tenha ido. Prefiro ficar dentro de ti, como um mistério. Como um beijo que transcende a alma. Como um tapa que registra o ódio. Como um orgasmo, que dura um instante, mas eterniza o momento.

Não me deixe ir.

sábado, 26 de julho de 2008

Origem

De onde você quem? Por que trazes o frescor de um tempo que ficou em mim? Vejo você em frases curtas, em pensamentos tantos, que desnudam as almas mais puras.

Desperta em mim algo de mulher que ainda não desvendei. O beijo que não entreguei, a troca de olhares que ficaram perdidos no tempo...remotamente na expectativa de te ver de perto. Tanto quanto possa estar.

Me confunde o espírito entre ser e estar. Entre querer e temer. Entre enxergar e fantasiar. Entre ser e deixar morrer.

Me convida, insistente, para que eu te reafirme. Mas você não existe. Está a um passo de se perpetuar em meus sonhos de desejos insolúveis.

E ao mesmo tempo, já estás em mim. Perpetuado nos meus lábios, sedentos do teu gosto, completo e único.

Tamanha obsessão só poderia enclausurar-me nesta distância incoerente que nos une...sim, nos une em pensamentos que jamais desistirão de percorrer nossos corpos...e vislumbrar nossas almas, conferindo esse saboroso mistério de querer entender-te, decifrar-te e descobrir em mim, segredos, que só decifrarei com você.

Não desista tão fácil.

domingo, 6 de julho de 2008

Quase estar


Minha mente ferve. Cai a noite e borbulham pensamentos intranqüilos. Assim, deixo os suores noturnos molharem o corpo, trêmulo, estranhamente gélido. Todos os sons parecem gritar a noite. Ouço de perto os pássaros, os passos humanos, os pneus dos carros sob as poças da chuva. Sinto o som das folhas que caem das árvores. E a textura insólida dos pensamentos. A paz é um disfarce da tortura noturna, deste silêncio que massacra as mentes incertas.

Certa vez, passei por caminhos sombrios, não entrei, mas fiquei tempo bastante para sentir as sensações de perigo, a adrenalina acalorando o corpo, a vontade de ir em frente. Senti uma certa liberdade, o soprar do vento entre os cabelos, um arrepio insano percorrer alma. E estava apenas no ínicio, sem a intenção real de entrar, mas com aquela curiosidade insana de ir em frente. Por alguns minutos, talvez segundos, talvez até imensuráveis instantes, me permiti entrar um pouco, ir um pouco além. Queria entender os limites da alma e as verdades humanas.

Não segui nesta direção porque despertei, como num transe. Acordei num susto, senti alívio, pois os caminhos sangrentos não existiam mais. No entanto, não houve testemunha, a não ser minha razão e verdade. Sobrou minha solidão inquieta, que agora me retorce o espírito, vez ou outra, quando me perco em pensamentos noturnos.

Sou tão impaciente e cruel comigo mesma, o pior dos juízes. Tenho um carrasco dentro de mim, que me esgota, me suga, me lambe longamente os desejos secretos. Sem piedade ou remorço ele me devora, lentamente, feito verme. Mas resisto bravamente, rumo a uma nova descoberta.

domingo, 15 de junho de 2008

Solidão

Caminho longamente,
com passos largos,
e um pisar forte
que quase quer ficar.

Quanto mais ando,
mais sinto o soprar do vento,
emaranhando os longos fios de cabelo e pensamentos tantos.

Mesmo na frieza muda dos gestos,
mesmo sem as palavras certas
mesmo sem saber o rumo,
prossigo,

Antes levasse apenas esta alma muda,
mas não.
Quiz levar o peso do mundo nos ombros,
e dentro do peito
um sofrimento antigo e um sonho longe
de seguir você.

Mas há muito tempo não estás aqui.

Alma liberta


Durante à noite sinto todas as temperaturas, todos os gostos e gestos e ouço verdades enclausuradas. Quase em silêncio elas saltam à mente e brilham feito morcegos clandestinos que famintos, buscam suas vítimas, voluntariamente entregues aos seus algozes.


Durante um tempo, acreditei nas verdades humanas e em sonhos fugazes. Acreditei no valor das palavras, de volúpias um dia inocentes, da sinceridade na tradução monstruosa de apenas ser, com todos os riscos que isto possa causar.
E fui. Na minha sinceridade, fui mais de mim. De cabelos virginosos e olhares proibidos, fui palavras... Me transformei em frases e desafios. Em doces vertigens libinosas. Me entreguei a carência de ser mais de mim, sem que fosse preciso tocar, sem a necessidade de estar, sem arriscar os sentimentos. Fui em pensamento e diversão, apenas um ato de ousadia em traduzir uma sensação única.
Mas a lembrança de apenas ser, numa tradição enriquecidamente egoista resultou na incompreensão mundana, no julgamento falho e parcial de olhares que não lêem a alma, de pessoas que sequer conseguem olhar para si mesmas.
A privacidade é algo nato da expressão, do sentimento e de apenas ser. Não é preciso, utilizar de falsas sensações de heróismo, num mundo de dualismo que não é real. Cada vez mais, acredito menos nas pessoas que não se permitem. Que medem em si o tamanho do mundo.
Mesmo que estes pensamentos, de certa forma me torturem ainda e acrescente, não arrependimento, mas uma certa intolerância de mim mesma, sinto o sabor amortecido da liberdade oculta.
E cada vez mais me encorajo e abro largamente os braços, com o infinito e inconstante desejo de voar. Eternamente.




domingo, 1 de junho de 2008

Noturna mente

A noite sinto que as coisas ficam estranhamente claras. Debruçadas em pensamentos, verdades, medos e desejos sondam a alma. Registros antigos, abandonados em velhos arquivos, retornam feito fantasmas.

Não há solidão completa na noite. Chegam os pensamentos, ora lentos e frágeis, ora intensos e sufocantes. Quanto mais penso em não pensar, rio de mim mesma e de todas as tolices que cometi na vida.

Saberia decifrar os pensamentos se conseguisse acalmar minha alma, inteira e nua, ela transcende verdades e me ensina sempre algo que fingi nunca existir.

A noite agito o corpo e parece que todos os sentidos se aguçam. Sinto o perfume das flores, a textura do mundo, o som de silêncios profundos e outra vertigens.

Mas ouço, nítido e frágil, o palpitar singular do meu coração. Ele é tão inquieto e repleto de nuances, tão perspicaz que me provoca cócegas. Às vezes me congela a alma, com suas surpresas insensatas.

No entanto, é a noite que vivo. Que conto uma nova história, que caminho ao longo de minha trajetória.

Incansável ela me decifra e me devora. Minha mente é noturna.

Noturnamente